MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO MOSTRA QUE OS NÚMEROS SALTARAM DE 313, EM 2022, PARA 653, NO ANO PASSADO. ESPECIALISTAS AFIRMAM QUE O COMPORTAMENTO PÓS-PANDEMIA É UMA DAS POSSÍVEIS CAUSAS PARA O AUMENTO DESSA PRÁTICA
Segundo Sarah, em caso de assédio moral, é necessário acolher, primeiramente, a vítima, esclarecendo sempre o sigilo das informações prestadas. "Em seguida, deve-se realizar uma escuta ativa. É importante oferecer segurança à vítima, apoio psicológico e demais estruturas que forem necessárias", alertou.
"Prontamente, pode-se iniciar a investigação a partir da informação que a vítima apresentar, em alguns casos é muito difícil encontrar provas, pois o assediador age sempre em ocasiões oportunas, sem pessoas ou criação de materiais que possam deixar registros", ponderou. Por isso, de acordo com a especialista, é necessário estabelecer mecanismos seguros, a fim de gerar essa comprovação e para que a organização possa aplicar sanções previstas em lei.
grafico assedio moral(foto: Caio Gomez)
Isolado
Bruno comentou que, no seu caso, ele está afastado há sete anos do seu local de trabalho, após o acusarem, principalmente, de chegar atrasado no serviço público. Só que ele tem uma versão diferente para o ocorrido. "No início de 2017, estava próximo de completar 10 anos no cargo e iria incorporar a função gratificada. A gestão não me queria com essa função e iniciou uma perseguição contra mim, incitando acusações falsas e tentando me desmotivar para eu largar o cargo", comentou.
"Foi quando começaram a alterar meu horário de chegada no sistema, dando a impressão de que eu sempre chegava atrasado. Além disso, fizeram piadas com meu nome, colocaram apelidos e zombavam de mim por eu gostar muito de estudar, até me nomearam de 'espertão'. Quase pedi demissão pela variedade de desrespeitos que recebia", afirmou.
Bruno relatou que, na época do assédio, teve que passar por reabilitação profissional e psicológica, pois ficou isolado. "Meus amigos do trabalho preferiram acreditar naquilo que eu estava sendo acusado. Fiquei dois anos e meio sem receber salário, sobrevivendo com a ajuda de familiares e nenhum dos que considerava amigo no trabalho me ligava para saber como eu estava. O dano emocional foi muito expressivo", desabafou.
A vítima contou que, na metade de 2017, decidiu entrar com um processo na Justiça do Trabalho. O funcionário público explicou que ganhou a causa nas duas primeiras instâncias e que, atualmente, o processo está em fase de avaliação da indenização contra a empresa — ele continua afastado. "Só que mesmo recebendo a maior parte do que está sendo pedido, ainda me sentiria impotente, porque a justiça não estaria sendo feita de forma completa", destacou. "Isso porque quem cometeu o assédio irá continuar chefiando em uma empresa na qual eu também poderia estar exercendo função até hoje", pontuou.
Ameaças
Juliana (nome fictício), 29, trabalhou durante um ano e meio em uma empresa privada e contou que o assédio teve início em janeiro de 2023, quando os resultados das vendas apresentaram queda. "Foi quando as primeiras ameaças de uma gerente apareceram: 'Vou te trocar de loja, se não melhorar esse resultado' e 'desse jeito vai ser demitida'", relatou. Segundo ela, depois dessa situação, as coisas voltaram ao normal durante um tempo, depois de uma troca de loja.
"Só que em maio do mesmo ano, começou tudo de novo, com ameaças vindo de uma supervisora. Ela dizia que ia me demitir por não estar entregando resultado e batendo metas", comentou. "Depois de um tempo ela sugeriu me mudar de loja novamente com o argumento de que me sentiria mais motivada e voltaria a entregar resultados", acrescentou. Mas o assédio continuou na outra loja. "A gerente dessa unidade começou a dizer que não ia ficar com ninguém que não quisesse trabalhar e sugeriu até que fizesse a carta de demissão" ressaltou.
Segundo Juliana, quando ela foi questionada se sabia que o ato era considerado assédio, a gerente ficou "toda sem graça" e discordou da trabalhadora. Em abril deste ano, a vendedora foi demitida por meio de acordo, o que considerou um alívio, por estar saindo do ambiente que considerava tóxico. "No início de tudo, não fiz a denúncia por não entender que se tratava de assédio. Depois que passei a compreender, tive medo, pois precisava do emprego", desabafou.
Conscientização
Presidente da Comissão de Direito do Trabalho da OAB-DF, o advogado André Santos afirmou que o assédio moral é comum no DF. Para ele, ainda estamos muito longe do cenário ideal. "Prova disso são as inúmeras ações trabalhistas, em que se discute indenizações por danos morais em razão de assédio", observou.
André Santos ressaltou que o respeito ao próximo é o principal caminho para que o ambiente de trabalho seja livre de assédio. "A partir do momento que o ser humano entender isso, penso que essa prática irá cair. Temos que deixar aquele sentimento de que 'posso mais', pois, na verdade, não podemos e não somos melhores do que ninguém", argumentou.
A especialista em recursos humanos Sarah Galeno destacou a conscientização como arma para o combate ao assédio moral. "Com os choques de gerações no mercado de trabalho, é necessário informar sobre aquelas 'brincadeiras' ou hábitos adquiridos de geração em geração e que têm a intenção de menosprezar", observou. "Um ambiente livre de assédio é aquele que tem políticas internas bem estabelecidas e desenvolve uma cultura organizacional fortalecida, garantindo um clima saudável", avaliou Sarah.
Em nota, o Governo do Distrito Federal (GDF) informou que atua de maneira preventiva para evitar que o assédio ocorra, com ações de capacitação e fomento sobre o tema. Ainda de acordo com o GDF, caso sejam identificados indícios de ocorrência de assédio, seja moral ou sexual, o gestor do órgão deve agir para investigar os fatos. "Após tomar ciência dos fatos do suposto assédio, a pasta deve iniciar os procedimentos de investigação, considerando se tratar de uma irregularidade administrativa que precisa ser apurada", ressaltou o texto.
Segundo o GDF, as denúncias devem ser feitas nas ouvidorias, por meio do Participa DF (https://www.participa.df.gov.br/ — a qualquer momento), central 162 (de segunda a sexta-feira, das 7h às 21h, e sábados, domingos e feriados das 8h às 18h), além de atendimento presencial na ouvidoria existente em cada órgão público.
ENTREVISTA| Geny Helena Barroso Marques, procuradora do Trabalho
De que forma o assédio moral ocorre?
Ele pode ser vertical ou horizontal, lembrando que o subordinado também pode assediar o chefe, não só o contrário. Exemplificando, quando se faz uma sobrecarga de tarefas ao trabalhador, na tentativa de mostrar alguma falha dele, assim como o contrário, tirando tarefas, são tipos de assédios morais. Além disso, piadas fora de tom e de hora e limitar a quantidade e o tempo de ida ao banheiro, também são exemplos de assédio moral no trabalho.
Quais outros tipos de assédio podem existir no ambiente de trabalho?
De forma muito mais delicada, temos o assédio sexual. Diferente do moral, ele não precisa de uma conduta recorrente. Qualquer ato pode caracterizar o assédio sexual, justamente pela sua gravidade. Não é só aquela investida física, hoje, várias formas de falar, como piadas que constrangem a trabalhadora, são consideradas assédio sexual.
Quais são as punições para quem pratica?
Existem várias formas de punição, pensando em que âmbito está sendo tratado o assédio. Judicialmente, tanto a empresa quanto o assediador podem ser punidos com multa, afastamento ou até mesmo demissão. No âmbito do MPT, a gente busca o desenvolvimento de políticas, dentro da empresa, para evitar novos assédios, com a criação de canal de denúncia, com a garantia de sigilo do denunciante, além de palestras para que a pessoa saiba quando está passando por alguma situação de assédio. Se constatada a situação de assédio e a empresa não quiser fazer algo para ajustar a situação, ajuizamos uma ação civil pública, buscando uma indenização por dano moral coletivo, lembrando que o valor obtido não é revertido diretamente para o MPT, mas para projetos que tenham essa temática contra o assédio moral e sexual.
Onde e como denunciar? É preciso produzir provas contra o assediador?
Se a empresa contar com um canal, a primeira denúncia deve ser feita lá. Além disso, sindicatos que representam a categoria também servem como forma de atestar o fato. Mas a principal forma é pelo MPT. Ela pode ser feita de forma anônima e/ou sigilosa, mas o ideal é que ela seja feita da segunda forma para, caso a gente precise buscar mais informações, tenhamos como conseguir. Só a denúncia é o suficiente para abrir a investigação, mas o cenário ideal é que o denunciante tenha o máximo de documentos que comprovem a situação de assédio dentro do ambiente de trabalho. O site www.mpt.mp.br tem um espaço exclusivo para denúncias, mas caso o trabalhador queira fazer de forma pessoal, estamos localizados na 711/911 Norte, disponibilizando uma Sala do Cidadão.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira
Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/
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